Não me lembro bem do que aconteceu… sinto-me vazia, não vejo nada, não ouço nada, não sinto nada. Parece que passei para outro mundo, o mundo dos Sonhos, aquele em que tudo é possível. Mas se assim fosse, deveria estar num mundo cheio de cor, cheio de alegria, e, em vez disso, só me lembro de memórias. Memórias dos momentos que mais me marcaram, aqueles que nunca vou esquecer. E, por instantes, quis recordá-los…
Comecei a sonhar, a recuar no tempo, a voar nas profundezas da minha memória e lembrei-me do momento em que a minha irmã nasceu. Tão linda e pequenina neste mundo de grandes, como um passarinho que, mal sai do seu refúgio, se depara em cima de uma árvore com receio de dar o primeiro passo e voar.
Continuei a recordar e lembrei-me daqueles dias quentes de Verão, a andar na praia ao pôr-do-sol, com aquela brisa refrescante de água salgada. Quando fechava os olhos tinha comigo o som das ondas e a sensação de ter aquela imensidão de água pura e límpida toda para mim.
Lembrei-me das férias em casa da minha tia em que passava a tarde a correr pelos campos, de onde emanava aquela mistura de aromas das diversas flores de mil cores que, juntas, faziam o perfume perfeito e típico lá da aldeia. E do tempo em que ia com o meu avô para o bosque à procura de pinhas, os dois de mão dada, aquela mão velha que levava muita história, e aí encontrava-me com o misterioso som da floresta e a extraordinária melodia do canto dos passarinhos.
Recordei também o momento em que descobri finalmente o que é amar alguém, ter o nosso primeiro amor, a sensação de ser de alguém e ter alguém connosco, em quem confiar, a quem poder contar as nossas mágoas, os nossos desabafos…
De repente, acordo com o barulho de uma máquina. Ainda não me lembro do que aconteceu, ainda me sinto muito confusa. Já recuperei alguns sentidos, já ouço alguém falar. Mas o que estarão a dizer? Agora, sinto-me mais leve, começo a ver o meu corpo como se estivesse do lado oposto. Vejo os médicos a falar, mas não entendo o que se passa. Sigo até ao hall de entrada do hospital, e vejo os meus pais e a minha irmã a chorar. É nesse momento que me apercebo do que se está a passar. O acidente fez de mim alguém consciente de que sou amada por alguém, infelizmente, tarde demais.
Ana Soares (14 anos)
Concurso de Escrita Criativa - Prémio Menção Honrosa
Texto escrito em 2011